O Riso...

 

Acredito que o riso realiza milagres quando se trata de ajudar os outros a ver, pensar e refletir sobre determinados assuntos. A leveza da confiança e o senso de humor proporcionam uma distância de situações difíceis, que nos permite olhar com objetividade para elas, tratando-as de uma forma mais sábia.


Sabemos de maneira intuitiva, que o riso nos liberta daqueles conteúdos desconcertantes e potencialmente perigosos, sem causar danos.


O riso pode desatar nossos medos e emoções reprimidas; pode dissolver o embaraço e a vergonha que talvez sintamos pelas nossas fraquezas. Através do riso, podemos chegar ao baixo-ventre das coisas e enxergar aquilo que estamos nos recusando a admitir.


Rigidez nos lembra a morte, corpo rígido e sem vida. Flexibilidade possibilita o fluir da vida. O senso de humor é fundamental pois ele solta o corpo, gerando abertura para criatividade. Quando não temos senso de humor é provável que tenhamos uma forte necessidade de servir ao jogo das aparências.


No riso, soltamos e libertamos a energia daqueles pontos interiores em cuja armadilha estamos presos, onde nos escondemos cheios de medo. "Se a gente não pode dar uma boa gargalhada", como diz aquela música country, "a loucura toma conta do lugar”...
 

 


O Filósofo e o Poeta

 


Segundo S. Tomás, o filosofar e o ato poético têm algo em comum. Quando pensamos num filosofo e num poeta, imaginamos ambos no mundo da lua... no entanto o filósofo não se afasta de modo algum da realidade quotidiana, mas sim das interpretações e valorações quotidianas. E aí temos já uma primeira característica comum, pois também o ato poético transcende o mundo. Ao aproximarmos Filosofia e Poesia não devemos perder de vista também aquilo que as diferencia: a Filosofia apreende a realidade em conceitos que não falam à imaginação, enquanto a Poesia pelo som, ritmo, rima e fluxo da linguagem atinge e apresenta a realidade de modo figurativo.


O ato poético e o filosófico têm seu princípio naquilo que causa admiração. Admiração é um abalo que de súbito nos faz reparar que o mundo, a natureza e as pessoas escondem um encanto inesperado, até então despercebido. Claro que perceber esse misterioso encanto não é privilégio exclusivo de filósofos e poetas. Mas se todo homem potencialmente é abalável pelo maravilhoso, o filósofo e o poeta são aqueles que respondem a esse abalo de modos peculiares. É isso o que Orwell queria dizer quando escreveu em seu 1984: “Os melhores livros são os que nos dizem o que já sabíamos”. Tanto o filósofo como o poeta recusam-se a ter uma visão exclusiva e acabada do fato bruto, de um mundo de rotina onde tudo funciona “normalmente”.


De fato, não é preciso muito esforço para verificar como perdemos a capacidade de admirar o simples. Precisamos mais e mais do estapafúrdio (pense-se nos inúmeros vídeos do youtube) para provocar uma pseudo-admiração, prostituída e falsa. A admiração filosófica não é suscitada pelo ´nunca se viu tal coisa´, por aquilo que é anormal ou sensacional... Perceber no comum e no diário aquilo que é incomum e não diário, eis o princípio do filosofar e poetar.


Se diz que a inspiração da arte procede da admiração das coisas simples que o poeta vê e – aí está o seu dom – a poesia não tem a necessidade – exageradamente romântica – de fugir à realidade pois “a vida é amiga da arte”. Mas também não precisa cair no estreito e grosseiro “realismo” insensível a tudo o que transcende o plano meramente material. Incapaz portanto, de ver.


Se a admiração nos leva à contemplação, leva-nos também a uma determinada afirmação do mistério como condição de filosofar e poetar sobre o que sucede todos os dias diante de nossos olhos; nos revelando um aspecto estranho, desconhecido e mais profundo...






Rapsodo...

A poesia para os gregos era um dom concedido pelas Musas; uma graça dos deuses. Fruto de inspiração divina, a poesia era exterior ao poeta. Visão bem diferenciada da que temos hoje, cuja célula propulsora da criação seria o jorrar da subjetividade do próprio artista. Segundo Cícero, ninguém saberia ser poeta se não fosse inflamado pelos espíritos e se não houvesse um sopro inspirado, comparável ao delírio.


Dessa forma, conceituava-se também o poeta como um mestre da verdade. Isto porque as Musas, que soprariam as palavras de sabedoria, seriam filhas da Deusa Mnémosine.

O rapsodo, por sua vez, seria quem interpretava o poeta. O rapsodo era o terceiro da cadeia por onde a “verdade” seguia sendo transmitida. Imagine o seguinte esquema: A musa passa a mensagem para o aedo, que posteriormente é transmitida pelo rapsodo e, seguidamente, transmitida para os ouvintes e entre eles. Essa cadeia, chamada de magnética, um elemento se ligaria e se encadearia ao outro pelo entusiasmo, e pelo mesmo entusiasmo o conhecimento tornava-se sabido e sedimentado.


A “palavra falada” tem o poder de engendra-se na memória coletiva do povo, sendo transmitida pelas gerações como uma fonte real e profunda de conhecimento do que foi, é e será...