O Filósofo e o Poeta

 


Segundo S. Tomás, o filosofar e o ato poético têm algo em comum. Quando pensamos num filosofo e num poeta, imaginamos ambos no mundo da lua... no entanto o filósofo não se afasta de modo algum da realidade quotidiana, mas sim das interpretações e valorações quotidianas. E aí temos já uma primeira característica comum, pois também o ato poético transcende o mundo. Ao aproximarmos Filosofia e Poesia não devemos perder de vista também aquilo que as diferencia: a Filosofia apreende a realidade em conceitos que não falam à imaginação, enquanto a Poesia pelo som, ritmo, rima e fluxo da linguagem atinge e apresenta a realidade de modo figurativo.


O ato poético e o filosófico têm seu princípio naquilo que causa admiração. Admiração é um abalo que de súbito nos faz reparar que o mundo, a natureza e as pessoas escondem um encanto inesperado, até então despercebido. Claro que perceber esse misterioso encanto não é privilégio exclusivo de filósofos e poetas. Mas se todo homem potencialmente é abalável pelo maravilhoso, o filósofo e o poeta são aqueles que respondem a esse abalo de modos peculiares. É isso o que Orwell queria dizer quando escreveu em seu 1984: “Os melhores livros são os que nos dizem o que já sabíamos”. Tanto o filósofo como o poeta recusam-se a ter uma visão exclusiva e acabada do fato bruto, de um mundo de rotina onde tudo funciona “normalmente”.


De fato, não é preciso muito esforço para verificar como perdemos a capacidade de admirar o simples. Precisamos mais e mais do estapafúrdio (pense-se nos inúmeros vídeos do youtube) para provocar uma pseudo-admiração, prostituída e falsa. A admiração filosófica não é suscitada pelo ´nunca se viu tal coisa´, por aquilo que é anormal ou sensacional... Perceber no comum e no diário aquilo que é incomum e não diário, eis o princípio do filosofar e poetar.


Se diz que a inspiração da arte procede da admiração das coisas simples que o poeta vê e – aí está o seu dom – a poesia não tem a necessidade – exageradamente romântica – de fugir à realidade pois “a vida é amiga da arte”. Mas também não precisa cair no estreito e grosseiro “realismo” insensível a tudo o que transcende o plano meramente material. Incapaz portanto, de ver.


Se a admiração nos leva à contemplação, leva-nos também a uma determinada afirmação do mistério como condição de filosofar e poetar sobre o que sucede todos os dias diante de nossos olhos; nos revelando um aspecto estranho, desconhecido e mais profundo...